sexta-feira, 27 de março de 2015

Videotape

agarro o pulso,
não sinto o pulso,
só a mão está morta.
e o resto,
o que vem atrás da mão,
o sangue que viaja e visita recantos do meu corpo que não conheço,
esse viaja gélido, acordando a minha pele,
escorre braço acima,
até torcer os meus lábios num esgar melancólico irrepetível,
não sei se quereria que se repetisse sequer,
apenas que não vai acontecer.

então, as mãos viajam sozinhas para a minha cabeça,
os dedos,
ásperos contra o meu cabelo,
apertam para eternizar o momento:
"não deixem a sensação escapar,
esta sensação gritante que é pânico,
melancolia e dor, tudo ao mesmo tempo,
misturada com tudo aquilo que não é complexo em levar comprimidos à boca,
em acabar consigo mesma,
comigo mesmo,
tão fácil como partir um ramo podre,
está tudo dentro e ao alcance,
na beleza dos filmes que nos aproximam da completude,
a sensação japonesa e perene de que tudo dura apenas um segundo,
dedos não me falhem agora."

Solto um ruído de cansaço e alívio.
Foi embora...

sexta-feira, 20 de março de 2015

cinzeiro II

testa a dois palmos de hábitos cilíndricos ardentes,
e doze cilindros desfeitos de cancro no cinzeiro,
finjo que metade não são meus, mas que podiam ser
e que acalmam a insónia que me prostra em letras feias para ninguém ler.

podes dizer o que quiseres, mas raramente o mundo é mais belo do que no fim de um cigarro,
excepto quando é mais feio porque o vês a arder, absorto
em poemas de dias quentes,
nos dias em que o amor molhava a sala,
ou a tua silhueta formava os contornos aos meus olhos,
os contornos a nunca ultrapassar,
estivesse eu focado
ou a ver-te partir
em desabafos pouco sossegados que a manhã causa, mas silêncio.
A culpa não é tua.

É minha porque não te soube entreter,
ou me dei aos poucos, em tecido feliz que não me cabe,
ou ainda quando escondi a cabeça no lençol para não me veres o sorriso incrédulo.
A culpa não é tua, se acordas ao lado de quem não conheces.

A culpa é de quem te atordoou os sentidos, sabendo a tua droga preferida, fosse ela real ou apenas uma vela no canto do quarto.

quarta-feira, 4 de março de 2015

arrest this man, he talks in maths

às vezes devíamos olhar para o significado mundano dos acontecimentos dos outros como beliscões de normalidade, enxotando a aranha que nos dança na pele à procura do lugar mais doce. pessoas normais, problemas normais, dão-nos pílulas de açúcar que sabem bem a descer. ressuscitam a humanidade na corrente sanguínea. provam-nos que o caos só se mostra se damos o peito às balas.