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sexta-feira, 8 de maio de 2015

4:3

arranco dois dentes de leão,
sopro, chamo-lhe "progresso"
e olho na direcção de uma miríade de pequenas pétalas,
que nem forma de pétalas têm,
mas fazem o seu dever na existência,
espalhando-se como pequenos flocos de vida
pela atmosfera, suspiram no ar
como se voassem (e voam! por tempo que parece não fluir).

É neles que sou digno de dar vagar à alma,
agarrar um, ou dois, pouco lesto,
guardá-los como meus,
cria de uma viagem inesperada rumo à terra.
Penso em cinema, na beleza de tudo isto,
tudo num milisegundo que já passou.

Volto para ser destemido num mar de rosas negras.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

tentemos então ver a coisa ao contrário


O meu pai disse-me, um dia: "quase que os imagino. Quase, nada. Tenho as imagens claras na minha cabeça. A chegada de uma família de quatro a uma Paris tão diferente, era um pobre El Dorado, pertencia aos pobres portugueses, de pobres origens, almejando uma riqueza que nós hoje sabemos também ser invariavelmente pobre.
As vozes ressoam da Gare. Eles falam um dialecto estranho. Algumas palavras rasgam o Português no ar, a azáfama de um e de todos, é também uma cidade em movimento, para alguns a primeira que viram, mas nunca a última que desejam ver. O seu coração é português, visível nitidamente em tudo o que carregam. Em toda a sua aparência, todo o seu olhar de espanto, angústia, desespero. Mas sempre algum fogo.
Nos primeiros passos dados fora da carruagem, o pai lidera o caminho como um piloto sem portulano, perdido em Paris como os seus antepassados no Atlântico, Índico e Pacífico, as malas contém uma vida familiar em si e pesam nos seus ombros. A mãe de dois tem a cara trancada a cadeado, um filho, demasiado novo para andar, adorna-lhe o ombro com o rosto, esconde-se e lança ocasionalmente um olhar assustado para o de sua mãe, olhos abertos, boca entreaberta, sem se atrever a falar com o marido, quer porque não há espaço para tal desafio ou apenas porque o Português que da sua boca saísse iria certamente suscitar olhares.
O segundo filho vem arrastado pelo braço, em constante desequilíbrio e pressa: são seis aninhos, tudo é novo. Na mão que a mãe não agarra, segura um garrafão cheio, mais cheio do que o suposto, de vinho. O peso é enorme. Foge-lhe aos poucos da infante mão até cair com estrondo no piso, quase paralizando a gare durante um eterno décimo de segundo. O pai larga tudo, a mãe larga o filho, as duas faces adultas enrubescem. Cinquenta pensamentos atravessam a mente do pai, a vergonha, o embaraço, "o português"; todos estes, mas o mais forte de todos: a única lembrança vívida que poderia saborear da sua terra natal, o vinho, agora escorre no chão, faz parte de França. a portugalidade findou. Uma chapada voa sem pensar, atinge a cara do filho, que não tem tempo de se aperceber, sentindo apenas o calor a invadi-lo enquanto o pai arrasta o corpo dormente pelo erro e pela agressão, a mão na cara agora, as lágrimas silenciosamente escorrem rosto abaixo na mãe e filhos, o pai dono de um arrependimento acerca do qual nunca se desculpará. A vida é a vida e não pára nunca. Leva-se nos cornos e segue-se em frente. Se se pára ou volta atrás, deixa de haver caminho para qualquer um dos lados. É assim que é.
E a gare, a Gare de Austerlitz, viu milhares de casos de todos estes sentimentos, é rica em cicatrizes, vinho e lágrimas de portugueses.
E todos os portugueses choram a sua terra perdidos no barulho de uma fábrica, em cada sorriso que dirigem ao patrão"
.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Irish Pub

Lembro-me que voltava de um dia no Hospital, o mundo já estava deitado, agarrado aos joelhos, para ir ter ao restaurante com o meu irmão, quando me tropeças com estórias de pôr-do-sol em estrada aberta, o teu Tom nos ouvidos.
Foste vítima de um infame truque que uso com frequência. Perdoa-me a travessura. Acontece às melhores. Aliás, acho que nem foste vítima. Viste-o a quilómetros e imitaste princesas de filmes infantis, donzelas em desespero com olhos na nuca, o príncipe mata dragões.
Eu tenho o meu encanto, desde que não haja silêncio.
foi o s(hh)ilêncio que nos matou, e motivou a tua sentença.
Mas pensar que fomos internacionais juntos, por horas! E na sensatez da tua voz.
Tudo me acalma e canta canções de embalar à nossa(?) história.

Pertencer

There is comedy, and tragedy, but we're neither.

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Abro livros de um dia, pronto a colaborar nesta coisa entusiasmante que é o pertencer (dicionário das emoções), coisa tão real, feita de heróis televisivos. Histórias de sucesso.
Tenho a dizer que ao menos me amam o carácter, compreensivo - sem "eu" - amam-me a palavra que de rompante brota e descansa olhos baços e ombros baloiçantes, disso sei, disso sei. Que me chega de ti um "sim" carregado de confiança reluzente, mas de tons adocicados, paternais - acompanhadas de um rodar de saia - que se reservam aos cantos de nós, que lá moramos.
Apreciam-me o vocabulário para sensibilizar.
O pertencer é uma tentativa de agir no sentido do que espero, sem chegar lá. Pertenço-te, pertences-me. Mas só quando as letras te alcoolizam, e nunca no meu registo. De poças a oceanos.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

#338


É tarde, tão tarde que o dia ameaça.
E eu até tinha escrito umas linhas
sobre ti
e outras coisas que não interessam
porque nunca mais vou escrever sobre isso,
nem sobre ti.

Gostava de dizer que foi a responsabilidade que me acordou,
amanhã,
mas sou só eu, teimoso,
destinado a ultrapassar-te
e claro,
a fumar um cigarro.

Anta

A minha cabeça diz-me que não há deus, mas sinto que tem de haver alguém a culpar pelo azedume dos dias. Tenho a vida manchada por um síndrome de Paris, com ternura a mais para quem merece menos, são desperdícios de tinta no meu caderno e de sangue bombeado pelo meu coração.
Nasci branco e sem expressão, cresci até um confuso metro e oitenta de caos em lata semi-aberta, transbordo de mim, sem me prover de soluções, só de cardos. Nasci branco, sem expressão e desenhado especialmente para morrer no meu quarto.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Saxofone

A sombra da minha bebida,
a humidade na madeira,
o teu sorriso como película de filme despido por um saxofone.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Sofá

Chega, temível, um pensamento, enquanto me afogo na ternura sufocante do meu sofá.
É do amanhã, dessas terras que conheço a custo, que me mostram esta insuficiência renal e pobre desempenho.
Sim, vais morrer. E levar contigo uma longa lista de arrependimentos.
Mas pior, vais envelhecer antes disso.
Os dias colam-se. Um dia tem dois sóis.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Silla

São histórias belas, no culto de um pacto sangrento, em que do fraquejar dos dedos se faz a morte floral, pétala a pétala, como a soltar o último grito da primavera. No romper de um abraço.
Ao dobrar a esquina, decoro-te a sombra permitida pelos candeeiros na noite. Nem o vinho, nem o pedaço de alma que te parti morrem hoje.
Mal vejo a hora que deixe outra silhueta ocupar aquele canto poeirento do meu armário. Numa lamela para análise, reparo os demónios no detalhe, sinto os perigos na amostra. Revelam-se inconsequentes.
Sei que vou morrer amarelo, sei disso. Ou a zelar por ti do outro lado da estrada.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Morning Bell

a insónia vaporiza oceanos, na ondulação dos corpos agitados. quatro paredes, uma voz, a falar baixinho. de repente, ar frio, como sino matinal. café, cara lavada, olhos em sangue. a última gota de normalidade cai dormente, cérebro dormente, nas fendas da calçada. é o metro, é o dia frio, é mudo, é tudo tão d-e-s-e-s-p-e-r-a-d-a-m-e-n-t-e               opaco.
.
..
...

Um esforço sobre-humano para a fotossíntese. funções onomatopaicas.


terça-feira, 17 de junho de 2014

rock bottom riser

Eu sei que estamos preocupados,
mas não me fales em revolução.
Não aqui,
nesta nuvem alcoólica,
segunda estrela à direita,
e em frente até de manhã.

Deixa-me estar aqui no escuro
do bar, e ouvir este folk quase deprimente,
depois rir sobre isso.

Dizer merda, só porque sim
e ignorar o telemóvel
e enganar a normalidade
que me obriga a deitar cedo.

Tropeçar no caminho para casa,
obcecado com o passeio,
cândido,
e um ombro quente para dar ao mundo.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Voracidade

Estamos sentados, frente a frente, já quase sem sentido a consumir o amor que temos com deslizes mal-calculados de língua. O veneno não tem de ser construtivo. Olho para a tua boca e só vejo a voracidade com que me destróis e procuro espelhá-la, mesa incluída, com talheres e copos. Uso tudo para me poder defender, porque nós não chegamos àquele debilitado flanco que vocês têm com palavras apenas. Antes em toques que cheiram a juventude. Por outro lado, cada bala vossa é certeira, com o poder de enlouquecer e bloquear os sentidos. Causam o amor-ódio.
Gostava de treinar a forma como digo as coisas, e dessa forma poder dominar o que quero. Apagar aquele milésimo de segundo que revela a minha intenção nas pausas, que mostra o quão desarmado fico nestas conversas-xadrez que constituem o relacionamento humano, constroem química ou matam futuros. Controlo emocional preocupante.
Era só isto.
Tê-lo mudava tudo.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Tangerina

Estamos ligados.
Fio vital, teia.
Mundo doce, em branco.
Gomos de inverno.

sábado, 3 de maio de 2014

Susto

Temo a surdez dos meus inimigos porque travo batalhas verbalmente e penso incoerente que lhes doem pelo corpo todo como folhas a arder.
Cravo a minha espada de epopeias suadas como o mar na voz. Breves gotas, persistentes e acutilantes. Doces para dentes feridos. Imune à própria razão.
E, enquanto emudeço de raiva, o pensamento flui em mim, na leveza momentânea de um susto.
Só depois o arrependimento, antes trompetes de parada que me restituem o que sou e tudo o que não fui dantes.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Vestido

A menina deste blog começou uma caixa de palavras para o mês de Maio.


"É exactamente assim que se transforma um verbo em reacções".
Ficaste pálida e olhaste para o teu vestido. Percebi que percebeste.
E desculpem-me se esta história não passa de um telegrama, mas não acredito em fábulas que não são curtas.