Mostrar mensagens com a etiqueta rocketman. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta rocketman. Mostrar todas as mensagens

sábado, 15 de agosto de 2015

brasão

Reentro em casa do modo habitual, depois de sair com a cadela. Quando olho para trás vejo algo estranho no seu movimento, mas não paro de andar na direcção do teu quarto. Cruzo uma porta entreaberta que revela a luz acesa, e te revela dobrado sobre a cama, os teus olhos noutro sítio do globo, num estupor induzido pelo que te empresta vida para depois retirar. Talvez com aditivos.

Hoje, pela primeira vez na tua presença aberta, pela primeira vez num diálogo que teremos, também eu trago aditivos no sangue. Talvez por isso não se tenha desfeito a minha cabeça ao ver-te prostrado. Talvez nesse segundo tenha compreendido totalmente o fim da minha vida igual a ti. Talvez se tenha abatido sobre mim todo o peso do teu esforço, toda a corda bem envolta no meu pescoço e no teu e no nosso, como se de uma herança hierárquica de irmão mais novo para irmão mais novo  se tratasse, e por fim talvez tenha entendido toda a tua magnanimidade, longe dos áureos dias infantes em que tu eras a imagem do homem que queria ser sem questionar.

Resolvi não entrar em confronto.

A cadela segue-me até ao teu quarto, em patas de lã com borbotos, o tal movimento estranho na sua pata. Tu dizes o que eu acabo de pensar:

"A cadela tem alguma coisa na pata."

Eu respondo:

"É, não é? D****. Deita. Barriga para cima."

Juntos assistimos calmamente à cadela que prontamente se deitou e colocou as quatro patas no ar, à nossa mercê, de barriga para cima. Sem hesitação, deixa-nos retirar o que a incomoda e ambos olhamos estupefactos na direcção um do outro, como se pensássemos, novamente ao mesmo tempo:

"Esta cadela é um espanto. A facilidade com que aquiesce e nos confia. A ausência total de receio da nossa figura, a confiança que tem em nós."

E dizemo-lo um ao outro. E partilhamos um momento como sempre quis, com leveza, com simplicidade. Um momento tão simples e familiar ao mesmo tempo sobre um animal que também nos une num cordão comum. Outra das razões que nos fazem dar importância à presença do outro. O pensamento semelhante que temos e nos mostra que ainda partilhamos algo, nem que seja a sensibilidade de observar, a nossa maneira dramática e ultra sentimental de absorver os momentos e o que nos rodeia, explanada nestes instantes. Enfim, todo o material genético que me constitui confirmar-se. E pela primeira vez em tantos, tantos anos, senti-lo como algo tão feliz.


#374

o dia pode ser doce, cru ou meigo a todos os instantes, que eu sinto a tua falta.
podem belezas com ar natural esventrar janelas de sua casa,
empoleirando-se com ar lisboeta e decidido,
com a ponta de nostalgia espalhada pela cara
e nunca nada parecer tão atraente como sentir a tua falta.

podem anunciar nascimentos nos jornais,
e condensar todos os escorregas e baloiços do universo num só parque,
nem a adolescência escudada dos meus sonhos fez tanta falta.

faz falta que respires na minha presença,
que mereça endeusar-me em ti,
que dos teus lábios se rasgue um piano
e que eu esteja lá para ver.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

4:3

arranco dois dentes de leão,
sopro, chamo-lhe "progresso"
e olho na direcção de uma miríade de pequenas pétalas,
que nem forma de pétalas têm,
mas fazem o seu dever na existência,
espalhando-se como pequenos flocos de vida
pela atmosfera, suspiram no ar
como se voassem (e voam! por tempo que parece não fluir).

É neles que sou digno de dar vagar à alma,
agarrar um, ou dois, pouco lesto,
guardá-los como meus,
cria de uma viagem inesperada rumo à terra.
Penso em cinema, na beleza de tudo isto,
tudo num milisegundo que já passou.

Volto para ser destemido num mar de rosas negras.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

é verborreia,
não preciso de balões a ilustrar as mentes
de personagens desenhadas na minha cabeça.
Nem a que sou no meu quarto,
Nem a que invento em autocarros.

São heterónimos do anonimato,
só heterónimos do anonimato,
são o pudor das causas perdidas.

não quero perder pedaços
de mim
para que desvaneçam em duas metades de um só corpo.

domingo, 21 de dezembro de 2014

La Viguela

´
Aqui me pongo a cantar
Al compás de la viguela,
Que el hombre que lo desvela
Una pena estraordinaria
Como el ave solitaria
Con el cantar se consuela.




Se dos passos se sentem os deuses, estejam eles onde estiverem, e para todos o mundo for manso como como as riscas da calçada, o fundo do mar é apenas no fundo.
A cada um de nós é dada essa perene sensação de quem canta. Sobretudo a quem se traduz nos becos das suas cidades.
Noutro dia não vai haver esse musgo no chão, nem os sotaques da comunidade pelo ar. É sempre melhor pensar no anonimato como um pardal nos quiosques. É essa a história da vida de quem se dissolve. Não vejo o mal nisso, não vejo a pele irritada das lágrimas secas, nem o nariz vermelho ou as pressões sobre a têmpora.
Pensem nisso como um quadro branco com as texturas de uma frase que só se consegue ler com luz negra. É inevitável que quem o note se sinta particularmente sensível aos acasos da continuidade estelar que teima em oferecer-nos músicas em que já estávamos a pensar antes de, à primeira estação sintonizada, a ouvirmos ser reproduzida. Outro exemplo disso mesmo é a pessoa que ocupa os nossos pensamentos invadir a caixa de mensagens com o "bom dia" dos dias frios, mas bons.
Nesse sentido, uma passada calma e o olhar devem ser apreciados como se de desabrochares perfeitos se tratassem. Uma segunda vez isto não se passará e poderá depender do humor com que se acorda ou do primeiro inspirar da manhã. As sensações perenes que que falava são como vultos e têm pernas lestas, que muitas vezes desaguam em rios pesados de correntes independentes.
Prometo que me deixas hoje desfeito como num delta se virares à esquerda e evitares esta rua.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Irish Pub

Lembro-me que voltava de um dia no Hospital, o mundo já estava deitado, agarrado aos joelhos, para ir ter ao restaurante com o meu irmão, quando me tropeças com estórias de pôr-do-sol em estrada aberta, o teu Tom nos ouvidos.
Foste vítima de um infame truque que uso com frequência. Perdoa-me a travessura. Acontece às melhores. Aliás, acho que nem foste vítima. Viste-o a quilómetros e imitaste princesas de filmes infantis, donzelas em desespero com olhos na nuca, o príncipe mata dragões.
Eu tenho o meu encanto, desde que não haja silêncio.
foi o s(hh)ilêncio que nos matou, e motivou a tua sentença.
Mas pensar que fomos internacionais juntos, por horas! E na sensatez da tua voz.
Tudo me acalma e canta canções de embalar à nossa(?) história.

Pertencer

There is comedy, and tragedy, but we're neither.

--------------------------------------------------------------------

Abro livros de um dia, pronto a colaborar nesta coisa entusiasmante que é o pertencer (dicionário das emoções), coisa tão real, feita de heróis televisivos. Histórias de sucesso.
Tenho a dizer que ao menos me amam o carácter, compreensivo - sem "eu" - amam-me a palavra que de rompante brota e descansa olhos baços e ombros baloiçantes, disso sei, disso sei. Que me chega de ti um "sim" carregado de confiança reluzente, mas de tons adocicados, paternais - acompanhadas de um rodar de saia - que se reservam aos cantos de nós, que lá moramos.
Apreciam-me o vocabulário para sensibilizar.
O pertencer é uma tentativa de agir no sentido do que espero, sem chegar lá. Pertenço-te, pertences-me. Mas só quando as letras te alcoolizam, e nunca no meu registo. De poças a oceanos.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Viagens - 1

Eu cabia sentado num muro, léguas à vista, num daqueles dias onde parece que amanhã é segunda.
Tinha o calor de um prado deitado à minha frente. Areia morta aos meus olhos no fio da distância. Estava sol, mas não dilacerante. Apenas o sol bom de que me recordo noutros dias. O feno soprado pelo vento, quase como se duas estações se unissem. Tinha o cantil de sobrevivência no colo. Sem ser necessário o confronto. Só a calma. Como se em breve fosse acordar e morresse um pouco. Esforçava-me para tentar não escravizar o momento com papel eterno. Está visto que falhei. Tinha de falhar. São pedaços incólumes que se perdem, mas que dignificamos no furto. Perde-se em originalidade, ganha-se no túnel de recordações arrependidas.
Senti que se o mundo fechasse um punho, soltava uma força benévola, como o assobio de alguém que te quer, uma mãe que te dá o pequeno-almoço. O pedaço inconsciente que aldraba a coerência.
Dois corpos não serviam de nada. Foi parte da corda-bamba da solidão desequilibrada no ponto certo. Foi necessário deixar em mim e não em nós.
À minha memória saltam histórias de outros, cariz semelhante, relatos diferentes. Gosto de ter uma.
Acabo-a com sentimentos contraditórios.
Deixa estar.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Moon





Dizendo como nada aquilo que fazia, o mais certo seria que provava whiskeys em Lisboa, isso não lhe tirava ninguém.
Faltava-lhe uma mão para por à volta de uma mulher prometida,
A pertença. Lar-edredão.
Talvez noites de íntima companhia,
lado feio na boca de preconceituosos, no entanto
real.
Palavras de e para algúém,
ausência de copo-reflexo,
música de dias bons,
música.
Tanto lhe faltava,
não a cevada,
uma cintura,
mas nunca a cevada,
nunca o cotovelo,
nunca a base,
nunca os balcões,
uma cintura.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Borboletas

Para ele, só existiam dois tipos de pessoas no mundo: os que tinham ouvido o “Samba pa Ti”, e os que não o tinham feito.

Ele admirava simples tons, pele aveludada, descia nos dedos do mundo para sacos secos de feijão. Perdia o fôlego com amores no olhar, pensava “à beleza da mulher”! Quando se enfrascava nos bares de Lisboa. Carregava o som da música ao vivo em si. Os poros antecipavam todas as sensações, beijos sonoros, carne trocada.

Era assim.
não tem de ser como se quer.
é só como se é...

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

João e Maria

"espero que agora troveje. estou aqui deitado, no meu trono-saco de cama."

O mundo não me pode tocar como toca quando tenho os pés no chão. O dia não começa enquanto a peça não cair, não acaba quando eu quero, não se funde com a miséria, não, não, não, não pode nada contra mim aqui, até tenho coragem para um sorriso, sincero, como quem transforma madeira em meninos de verdade e destila delicadeza pelos poros.

Quero imaginar. Quero música como história "agora eu era um herói", até ser algo melhor "eu já não tinha medo".

Quero tudo o que não deu para ter.


Feliz Natal.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Quem diria que um dia voltava a ver raquel.....

Num dos muitos tons de cinzento espremi uma expressão de surpresa desfeita. "Tu vais passar a tua vida com esta pessoa". Como quem aponta o óbvio erro entre números sequenciais, percebi pelo teu esgar na sua direcção, trovão que rebate na terra e treme a revolta electrizante nos poros da pele.
E que cara de lhe adivinhar os lábios e suar lágrimas no peito da sua morte...tantos capuletos e montéquios. Como o que eu senti em tempos. Essa cara que me pediste emprestada. Atravessaste a rua como se o que fomos se tornasse um "vai ficar para outro dia". E perdi tudo.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

E

O que eu faço é assassinio. Eu, e eu só, mato tudo o que lhe resta na cabeça, mutilo qualquer pedaço de humanidade que lhe reste. Dia-a-dia, eu roubo-lhe um passado que ela guarda com as unhas, com toda a vontade e desespero, com os dentes, com a vida. E eu, num deslizar mal pensado de língua, tiro-lhe tudo, tudo  o que ela foi, animalizo-a, minimalizo-a, e ela torna-se na mobilia da casa que me matou a mim.
Eu só queria mais um segundo são com ela, só queria mais um instante dela para me lembrar, para não repetir, para guardar sempre, aqui tão próximo, infinitamente longe.
Só mais um monólogo de queixas acerca da vida que nos maltrata, da vida que nos polui, que nos assalta, tudo isto num sofá confortável, sobre a mesa velas aromáticas e no seu corpo roupas de seda.
Só mais um instante de medos de uma vida terrível sem a ter.
Apenas mais um. Apenas uma merda de um cigarro com a minha mãe.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

#189

Sinto que és o que não quero que ninguém aprenda. Que és a sensação em si mesma.
Não quero o teu peso, ninguém quer, mas insistes e força não falta para que nada mais seja o mesmo.
Os sons fora da realidade, conduzindo um preço a tudo.
O escuro que entra nos lençóis sagrados, de um casamento, de um funeral.
Podias ser um tapete, uma escadaria, mas não era o mesmo.
Podias ser uma janela partida, mas não servias.
Podias ser tu, intocável, atingível, provocando fraqueza nos joelhos e olhares de desânimo, mas só isso não bastava.
Precisavas de emoção verdadeira, e passaste a raiva para uma construção de miséria.
Perdeste o controlo…Agora estás em todo o lado, és de todos e não paras o teu movimento.
O ritmo é acelerado e destróis corações em música, em arte, em tribos.
Todos provam o teu veneno.
Todos são consumidos.