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sábado, 17 de outubro de 2015

Água


Tens - ao mesmo tempo - em ti, a expressão imutável de uma estátua e a sofreguidão de quem, ao meu primeiro toque, reverte para o estado líquido.
Se tiver razão, tocar-te onde me queres será como entrar em água salgada, tornozelos, joelhos...dedos que testam a resistência do tronco. Ou talvez só o ímpeto de testar a temperatura num ritual, para depois te beber de uma vez.
Mas e se em vez disso, preferisse andar sobre ti e fazer de profeta, ou te dividisse ao meio para que toda a pureza da minha alma te atravessasse e visses que parecem quarenta anos de promessas desfeitas e corpos rígidos no meu rasto, infinitas mulheres feitas em pedaços na minha consciência, e todas aquelas que hão de vir depois de ti, num só grito?
Nunca vou estar certo do que fazer, mesmo que te trate como vida, ou só como um elixir doentio do qual sugo vitalidade.
És perigosa, assim. E eu não suporto, não posso suportar alarmes, nem ler sinais de fumo.
Se para cada acção há uma reacção, eu não me posso transformar contigo. Alguns de nós encontram conforto na impossibilidade de desilusão, em já ter visto parasitas a morrer por não quererem mais ceifar do corpo o seu alimento.
Estes não querem o peso da simbiose, nem o segundo de êxtase que se transforma em anos de cicatriz.

Por isso, sempre que passo por ti, peço licença para que nem os tecidos que nos cobrem ganhem o cheiro um do outro e os aromas morram separados, mas cheios, em vez de juntos, amargos e gastos.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

tentemos então ver a coisa ao contrário


O meu pai disse-me, um dia: "quase que os imagino. Quase, nada. Tenho as imagens claras na minha cabeça. A chegada de uma família de quatro a uma Paris tão diferente, era um pobre El Dorado, pertencia aos pobres portugueses, de pobres origens, almejando uma riqueza que nós hoje sabemos também ser invariavelmente pobre.
As vozes ressoam da Gare. Eles falam um dialecto estranho. Algumas palavras rasgam o Português no ar, a azáfama de um e de todos, é também uma cidade em movimento, para alguns a primeira que viram, mas nunca a última que desejam ver. O seu coração é português, visível nitidamente em tudo o que carregam. Em toda a sua aparência, todo o seu olhar de espanto, angústia, desespero. Mas sempre algum fogo.
Nos primeiros passos dados fora da carruagem, o pai lidera o caminho como um piloto sem portulano, perdido em Paris como os seus antepassados no Atlântico, Índico e Pacífico, as malas contém uma vida familiar em si e pesam nos seus ombros. A mãe de dois tem a cara trancada a cadeado, um filho, demasiado novo para andar, adorna-lhe o ombro com o rosto, esconde-se e lança ocasionalmente um olhar assustado para o de sua mãe, olhos abertos, boca entreaberta, sem se atrever a falar com o marido, quer porque não há espaço para tal desafio ou apenas porque o Português que da sua boca saísse iria certamente suscitar olhares.
O segundo filho vem arrastado pelo braço, em constante desequilíbrio e pressa: são seis aninhos, tudo é novo. Na mão que a mãe não agarra, segura um garrafão cheio, mais cheio do que o suposto, de vinho. O peso é enorme. Foge-lhe aos poucos da infante mão até cair com estrondo no piso, quase paralizando a gare durante um eterno décimo de segundo. O pai larga tudo, a mãe larga o filho, as duas faces adultas enrubescem. Cinquenta pensamentos atravessam a mente do pai, a vergonha, o embaraço, "o português"; todos estes, mas o mais forte de todos: a única lembrança vívida que poderia saborear da sua terra natal, o vinho, agora escorre no chão, faz parte de França. a portugalidade findou. Uma chapada voa sem pensar, atinge a cara do filho, que não tem tempo de se aperceber, sentindo apenas o calor a invadi-lo enquanto o pai arrasta o corpo dormente pelo erro e pela agressão, a mão na cara agora, as lágrimas silenciosamente escorrem rosto abaixo na mãe e filhos, o pai dono de um arrependimento acerca do qual nunca se desculpará. A vida é a vida e não pára nunca. Leva-se nos cornos e segue-se em frente. Se se pára ou volta atrás, deixa de haver caminho para qualquer um dos lados. É assim que é.
E a gare, a Gare de Austerlitz, viu milhares de casos de todos estes sentimentos, é rica em cicatrizes, vinho e lágrimas de portugueses.
E todos os portugueses choram a sua terra perdidos no barulho de uma fábrica, em cada sorriso que dirigem ao patrão"
.

quarta-feira, 4 de março de 2015

arrest this man, he talks in maths

às vezes devíamos olhar para o significado mundano dos acontecimentos dos outros como beliscões de normalidade, enxotando a aranha que nos dança na pele à procura do lugar mais doce. pessoas normais, problemas normais, dão-nos pílulas de açúcar que sabem bem a descer. ressuscitam a humanidade na corrente sanguínea. provam-nos que o caos só se mostra se damos o peito às balas.

domingo, 21 de dezembro de 2014

La Viguela

´
Aqui me pongo a cantar
Al compás de la viguela,
Que el hombre que lo desvela
Una pena estraordinaria
Como el ave solitaria
Con el cantar se consuela.




Se dos passos se sentem os deuses, estejam eles onde estiverem, e para todos o mundo for manso como como as riscas da calçada, o fundo do mar é apenas no fundo.
A cada um de nós é dada essa perene sensação de quem canta. Sobretudo a quem se traduz nos becos das suas cidades.
Noutro dia não vai haver esse musgo no chão, nem os sotaques da comunidade pelo ar. É sempre melhor pensar no anonimato como um pardal nos quiosques. É essa a história da vida de quem se dissolve. Não vejo o mal nisso, não vejo a pele irritada das lágrimas secas, nem o nariz vermelho ou as pressões sobre a têmpora.
Pensem nisso como um quadro branco com as texturas de uma frase que só se consegue ler com luz negra. É inevitável que quem o note se sinta particularmente sensível aos acasos da continuidade estelar que teima em oferecer-nos músicas em que já estávamos a pensar antes de, à primeira estação sintonizada, a ouvirmos ser reproduzida. Outro exemplo disso mesmo é a pessoa que ocupa os nossos pensamentos invadir a caixa de mensagens com o "bom dia" dos dias frios, mas bons.
Nesse sentido, uma passada calma e o olhar devem ser apreciados como se de desabrochares perfeitos se tratassem. Uma segunda vez isto não se passará e poderá depender do humor com que se acorda ou do primeiro inspirar da manhã. As sensações perenes que que falava são como vultos e têm pernas lestas, que muitas vezes desaguam em rios pesados de correntes independentes.
Prometo que me deixas hoje desfeito como num delta se virares à esquerda e evitares esta rua.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Saxofone

A sombra da minha bebida,
a humidade na madeira,
o teu sorriso como película de filme despido por um saxofone.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Tangerina

Estamos ligados.
Fio vital, teia.
Mundo doce, em branco.
Gomos de inverno.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Oceano




No desconforto do meu leito baloiçante, umas palavras, para acalmar a imensidão azul e a lua fria.
Ondulo na pureza da descoberta.
Amanhã posso morrer às mãos de uma língua que não conheço, e onde está a calma nisso?
A ideia de casa é nostálgica. Comigo vinte sobreviventes que pensam o mesmo. Quase todos deixaram a lucidez na costa anterior. No mar, qualquer mulher é a casa. Não te orgulhes, penso em todas no breu da noite.
Não minto.
Amanhã continuo o trabalho da Coroa que não nos resgata.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

João e Maria

"espero que agora troveje. estou aqui deitado, no meu trono-saco de cama."

O mundo não me pode tocar como toca quando tenho os pés no chão. O dia não começa enquanto a peça não cair, não acaba quando eu quero, não se funde com a miséria, não, não, não, não pode nada contra mim aqui, até tenho coragem para um sorriso, sincero, como quem transforma madeira em meninos de verdade e destila delicadeza pelos poros.

Quero imaginar. Quero música como história "agora eu era um herói", até ser algo melhor "eu já não tinha medo".

Quero tudo o que não deu para ter.


Feliz Natal.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Quem diria que um dia voltava a ver raquel.....

Num dos muitos tons de cinzento espremi uma expressão de surpresa desfeita. "Tu vais passar a tua vida com esta pessoa". Como quem aponta o óbvio erro entre números sequenciais, percebi pelo teu esgar na sua direcção, trovão que rebate na terra e treme a revolta electrizante nos poros da pele.
E que cara de lhe adivinhar os lábios e suar lágrimas no peito da sua morte...tantos capuletos e montéquios. Como o que eu senti em tempos. Essa cara que me pediste emprestada. Atravessaste a rua como se o que fomos se tornasse um "vai ficar para outro dia". E perdi tudo.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

réve







Descansa em mim, já que calho embrulhado na tua voz e sou fácil de deitar fora.
Deixa-me as chaves e o comando, os miúdos não vão a lado nenhum.
Brota como um botão de cerejeira, explosão em câmera lenta, grávido de esperança.
Regressa ao teu lugar pálido com feridas de luta,
eles não fogem,
prometo,
eu guardo-os,
prometo,
prometo.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Go to sleep

 
a melhor banda em actividade (ponto)
 
 
 
 
Vou dormir,
Tenho que ir dormir
porque
sinto que alguma
coisa vai correr mal
aqui dentro
no núcleo
que tudo governa
e tudo sente
e comanda a estupidez dos afectos
e a preguiça nos dias
e diz que as queimaduras doem.
 
Vou dormir,
senão os meus pulmões intimidam
os bronquios
e engolem a traqueia
e deixam-me a espernear
porque
ainda
não disse
tudo.

Tem de ser
tem de ser,
tenho de dormir
agora,
para poder gozar
o escuro
e deixar os braços cair
ao lado
e correr atrás
de um sonho
e sentir o coração
no ouvido.

respirar conscientemente cansa.

domingo, 20 de outubro de 2013

Footsteps

O que fazer quando já nem humanidade temos em comum? Quando nos sentamos na sala, frente a frente, e o desejo é silêncio permanente, o ar suportando esta forma de vida que escorre de nós, coagulada, a custo?
Diz-me, porque já não sei o que fazer.
Desespero gravemente sobre a tua indiferença, sobre a frieza daquilo que te escapa,  sobre aquilo que já não és e nunca mais vais poder ser. Sobre não suportar uma culpa que nos envolve e nos torna feios por dentro, mata devagar, mas tão devagar que não dói, só incomoda, chuva miúda.
Estou só tão cansado de respirar este espaço. Como se as forças nunca tivessem existido. E nunca nada nos tivesse ligado.

sábado, 19 de outubro de 2013

Wandering Star

Acção.
Medo.
Reacção.
Qual?
Areias movediças.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Fitter, Happier, More Productive

Escondes espaços entre modestas tentativas de arte; como uma tela ao contrário, não queres ser descoberta.
És um sabor indistinto, que depende dos dias, às vezes agradável ao palato. Outras só áspero. Pálido.
Alimentas discórdias em pensamentos antigos - suspiras, o ar agora é puro.
És a eterna indecisão do fio no alto do circo.
E o colchão lá em baixo.
Despertas lúxuria e emanas cautela.
És a antítese que me provoca nas pessoas, a antítese que inflama tudo em mim, que desperta a vontade de me desanimar com o próximo, ou descobrir o bem e o mal em todos.
Agradas-me, e esta conclusão não é final.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

...a garrafa vazia de manuel maria...

No fundo da minha garrafa está o vidro baço e molhado. gritos de infante, dentes a nascer. estão seres quebradiços, cera mal seca, dobrados sobre si, num grito que os joelhos abafam, lágrimas secas pela noite. está um futuro de crise. e por isso a bebo. para que lá esteja tudo isto, e não em mim.
No fundo da minha garrafa está outra. até à última moeda do bolso ou pormenor de consciência. até os casais felizes partilharem somente o silêncio. e a derradeira uva rebentar, suculenta.
Pano de fundo, a música ironicamente dedilhada em sol, quadros - antes cópias - bom gosto que se compra em cadeia, a vida em comunidade, dois dedos de conversa e a ficção do anonimato deitado em pétalas. de flores. de qualquer coisa bela.
E o meu ar morto, em contraste, rápido em movimentos cíclicos: pega, bebe, pousa, fuma. quatro passos. um fim.
o dia acaba.
 escritos rasgados. aerofagia.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Chop Suey

Vão longe, os dias em que tudo o que me dizias era dogma. E apenas podia esboçar um ar de fraca compreensão, genialidade arrepiante, sapatos grandes que nunca caberiam confortavelmente nos  meus pés. Em que sonhava poder vir a ser tu, sem defeitos e pleno de carisma, acabando sempre o que começava.
Os anos passaram, tudo é diferente. O mundo não é a preto e branco. Nada é ou não é. E sinto saudades de achar isso, de te ter como conforto e modelo, poder repetir as tuas frases a quem nascer de mim, pequeno sorriso nostálgico de ser parte de quem és.
Não me interpretes mal. Tenho orgulho. Muito.
Mas já não és a causa que defendo cegamente, nem imune a críticas choradas.
 
 

És humano. Bom, mas só humano.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Parasite



Agora só vejo momentos que roubo a quem os tem por si.
Levo o que quero da carne do mundo.
Tiro tempo de vida a quem pondera gastá-lo.
Vírus nunca, parasita.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Stockholm Syndrom

 
AMSTERDAM
 
 
 
 
 
Já alguma vez repararam no Homem que espera ao longo do paredão da praia dos Pescadores, na Ericeira?
 
Certa noite, no regresso a casa passei por lá e sem qualquer razão pus-me a olhar ao longo da costa, até que vi, recortada, uma figura sentada, de mãos ao colo, pés baloiçantes, só, ali, à espera de alguma coisa.
Não sei o que é, não sei mesmo, mas tem de ser alguma coisa. Ninguém arrisca a erosão lenta e fria sem razão.
Comecei a pensar numa infinidade de coisas, tudo poderia ser. Apresento-vos a melhor ideia.
O Homem era cativo do mar. Tal como uma vítima de rapto, sofreu às suas mãos, a sopa estava no balcão, a água numa tigela rente à porta. O frio fazia-o adoptar uma posição fetal.
Mas havia alguma coisa de errado. Não havia ódio. Passaram meses, anos talvez, mas nada crescia nele, não agora. Antes sim.
O mundo era aquilo. Duas palavras por dia, utilização imprópria e a luz por um buraco na parede.
Escuro.
Dias em noites, vice-versa.
O único traço de humanidade estava na visita do captor.
Nada mais restava.
Só toques no braço,
E momentos a partilhar.


8 o'clock and we agree

Gosto que me faças sentir burro da maneira certa.
Mesmo que não tenhas o terror presente nos ossos, favor da vida.
De vez em quando viver de pulmões cheios é preciso, por todos aqueles dias em que os comprimidos seduzem e a melancolia mata lentamente, feita de cigarros e promessas de "amanhã vou".
Tu vives numa cidade berrante, em que os segundos acontecem cheios, rebentam até ao próximo, e eu longe, no meio dos meus pensamentos, na calma enlouquecida de uma pequena vila.
Por isso, quando as nossas mentes batalham - não são discussões, antes pretensiosas tertúlias, como todos temos - isso revela-se, o suficiente para me deixar sem ar e com a sensação de coisas a passar.
Tudo passa, tudo passa.
Até me fartar e deixar bilhetes de adeus na soleira de portas amigas.
Não voltar.

domingo, 18 de agosto de 2013

Pool Shark

Flutuo entre páginas rasgadas nos cantos mais sinistros da minha mente, deixando a marca de quem quer muito ter algo para dizer.
Uns dias penso que sim.
Outros, nem por isso.
Reservo para mim tudo aquilo que nunca te expus, como se ao lavar a loiça te surja o "eureka". E desses lábios possa um dia ler as palavras "esquece tudo isso".
Para mim, não há maior prazer que o elixir ardente que desinfecta bocas cuspindo mentiras e palavras de ódio. Deve ser por isso que vacilo entre pessoas como um pêndulo cansado. Porque a minha verdade nunca é a mesma.
De fora ficam todas essas ideias que não se concretizam. Mas tu chegas lá.