segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Texto

Colecciono momentos e objectos como se me fossem indispensáveis para respirar. Sobretudo momentos. Guardo-os na cabeça, à espera que a vida mos coma. E quero-os assim, não registados, desarrumados, surpreendentes numa noite em que algo os despoleta. Um cérebro desarrumado sabe como dias a café. Sem comer de manhã, dedos ansiosos e ar cortante. É bom, é tudo para mim, essa ideia de que eles sempre voltam. E de que se podem confundir com sonhos, mentindo suavemente à realidade. E se não voltarem, também não sei que existem. Poupa-me um suspiro - talvez uma lágrima - sobre um papel amarrotado.
Recordo-me de um fragmento de imagem. Devia ter uns três anos, e olho para o meu pai, sentado à cabeceira da mesa, ar confiante, cotovelo equilibrado por razões de etiqueta. E um sorriso verdadeiro na cara. Rugas breves, de feitio. Esta figura surge repetitivamente na minha cabeça, como se a maldissesse ou quisesse guardá-la muito perto.
Não sei o que a provoca, sei que é de ferro. Cada vez que penso nela, a nostalgia invade, tecido macio. E provoca uma torrente de outros pedaços que me percorrem, até ao embrião. De pessoas que não vejo, situações caricatas, medo, vergonha, tudo, tudo passa. Ao ponto de não saber se me fez bem esta viagem. Se lembrar é melhor do que estar sempre aqui e agora, realidade gasta, mas palpável, inegável, existente.
Não sei. Mas não as quero perder.

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